22/12/2012
Boletim internacional de desenvolvimento local sustentável
Boletim informativo #94
1º de dezembro de 2012
Sumário
A Deccan Development Society na Índia
PACTOS LOCAIS: novas alianças entre as comunidades, as
redes da economia solidária e as autoridades locais.
Mensagem da equipe editorial
No presente número, tratamos do local a partir de
ângulos muito diversos. De novo neste número, um artigo sobre uma iniciativa na
Índia, a Deccan Development Society que atua em 75 aldeias. Esta associação
estabelece um elo entre os saberes tradicionais, os jovens e as novas
tecnologias. E, por outro lado, o relatório de uma oficina sobre a questão do
local, na oportunidade do Fórum Social Europeu que aconteceu em Florença, dez
anos após o primeiro FSE.
Aproveitamos o ensejo para lhes desejar
antecipadamente um bom ano 2013, torcendo para que vocês continuem a ler o
boletim a partir de 1º de fevereiro próximo, data prevista de publicação do
próximo número.
Judith Hitchman
Yvon Poirier
Martine Theveniaut
A Deccan Development Society na Índia
Por Judith Hitchman
A Deccan development society (DDS) é uma organização
de base que tem vinte anos e que trabalha em cerca de 75 aldeias com coletivos
de mulheres chamados sanghams (associações de pobres no âmbito da aldeia) no
distrito de Medak, Estado de Andhra Pradesh, na Índia. As 5 000 mulheres da DDS
representam as mais pobres entre as mais pobres em suas comunidades aldeenses.
A maioria delas são dalits (ou intocáveis), o grupo mais baixo na hierarquia
social indiana.
Esta Sociedade tem como objetivo consolidar estas
associações de aldeia nos órgãos vitais de governança local primária e as
federa em grupos de pressão fortes para as mulheres, os pobres e os dalits. Por
meio de uma multiplicidade de diálogos contínuos, de debates, de educação e
outras atividades com as pessoas, animados pela Sociedade, tenta-se traduzir
esta visão de mundo em realidade.
Os programas lançados pela Sociedade evoluíram no
decorrer do tempo para se tornar uma voz política de peso para as mulheres do
campo. O que começou com a intenção de assegurar as necessidades de
subsistência dos membros sangham se tornou uma ferramenta de empoderamento para
ajudá-las a responder as grandes questões de segurança alimentar, de melhoria
dos recursos naturais, de educação e das necessidades de saúde da região. A
integração consciente das diversas atividades da Sociedade permitiu recuperar
as posições naturais de liderança das mulheres em suas comunidades, e de lutar
contra a falta de acesso e de controle aos próprios recursos. Essas atividades,
bem como aquelas para assegurar os cuidados da terra, tiveram por consequência
criar cuidados humanos dando às mulheres uma dignidade redescoberta e um papel
de destaque em suas comunidades aldeenses.
Comunidades autônomas
No cerne de todas as atividades da DDS se encontra o
princípio fundamental do acesso e do controle que leva à autonomia das
comunidades locais. A autonomia torna-se muito mais importante em um mundo
globalizado que conhece o encolhimento das fronteiras nacionais e o
desaparecimento das soberanias nacionais. Neste contexto, é crucial para as
comunidades locais assumir certos campos de autonomias para evitar ser esmagado
pelas forças invisíveis da globalização.
Foi seguindo este roteiro que as mulheres dos sanghams
DDS trabalharam para as autonomias seguintes:
• Autonomia da produção alimentar
• Autonomia nas sementes
• Autonomia nos recursos naturais
• Um mercado autônomo
• Meios de comunicação autônomos
Isto é realizado de maneiras diferentes que se
completam mutuamente: a soberania alimentar inclui os bancos comunitários de
germoplasma, o controle dos recursos naturais, o controle do mercado, um
sistema especial “de educação verde” que abarca uma gama de atividades,
começando por balwadies [escolas administradas pela comunidade para crianças de
5 anos e menos], que fornecem um ambiente de aprendizagem criativo para as
crianças em Pachasaale, uma escola única para as crianças que trabalham, o que
aporta a aprendizagem formal e competências de vida sob um mesmo teto, e
transforma a educação em um campo de interesse para as crianças das zonas
rurais. Nesta gama se encontram outros esforços educativos, tais como as
oficinas intensivas para as mulheres adultas e escolas noturnas nas aldeias para
crianças que não iam à escola, etc.
Entrevista com a jovem Mayuri
Em uma recente reunião em Périgueux, eu tive a
oportunidade de entrevistar Mayuri, uma pré-adolescente de 11 anos, muito
especial, que já produziu vídeos premiados. Ela viajara com Sateesh, o
secretário geral da DDS e a tia dela. Seu filme sobre a soberania alimentar e a
conservação das sementes comunitárias é algo espetacular. É um excelente
exemplo de como este sistema particular de educação pode favorecer o
empoderamento e o talento natural, utilizando as mídias como ferramenta de
comunicação potente para a educação dos analfabetos (e os letrados nas
sociedades ocidentais também!). Intrigada por suas competências, eu a
entrevistei com a ajuda de Sateesh, de forma a poder partilhar sua história com
os leitores de nosso boletim.
Satessh explica que « quando Mayuri tinha 3 anos,
ela começou a vir para o nosso campus cada dia. Progressivamente, construiu uma
amizade com ela e descobri que ela gostava de câmera. Quando ela tinha apenas 4
anos, ela compreendia bem como se servir de uma câmera. Ela tinha um talento
natural. Desde a idade de 6 ou 7 anos, ela passou para o vídeo, e ela tinha
liberdade para usar a câmera vídeo. Ela nunca olhou para trás.”
Perguntei a Mauyri onde ela se vê daqui a 5 anos.
“Espero fazer mais filmes sobre a agricultura e a vida
rural a fim de que cada um possa aprender mais sobre a agricultura. Os
jornalistas não fazem isto. É meu dever porque todo mundo deveria saber mais
sobre a agricultura. Devemos mostrar aos outros como o “governo” (é o termo
utilizado para designar qualquer estrutura importante fora da comunidade, neste
caso, as empresas de sementes) dá aos agricultores sementes que são diferentes
das sementes que são diferentes das nossas (OGM). Queremos mostrar que com
nossas sementes tradicionais, podemos realmente alimentar o mundo todo e ter
uma vida sadia.”
“Eu não pensava que tantas pessoas assistiriam ao meu
filme. Sinto que realizei um bom trabalho.”
Que tipo de coisas você faz normalmente em casa, além
de fazer filmes?
“Quando minha avó e sua mãe vão cortar forragem nos
campos, eu ajudo a levar para casa. Eu gosto de brincar no campo, plantando e
regando vegetais.”
“Em nossas aldeias, as pessoas como eu vão para a
escola do governo. Se eles têm um monte de dinheiro, eles podem ir para a
cidade e estudar inglês, de forma que não têm de se preocupar com as questões
agrícolas. Minha tia e meu tio trabalham no campus de Deccan, então eu comecei
a trabalhar com cinema. Eu também faço trabalho tradicional em casa, como
buscar água e varrer a casa, então eu não sou muito diferente das outras
garotas.”
“Eu costumava pensar que eu nunca seria capaz de fazer
isso. Mesmo agora, às vezes me pergunto se sou eu quem fez o filme. Preocupa-me
que com cada novo filme que eu faço, se eu posso fazer isso.”
As palavras de uma verdadeira artista, que tem um
futuro promissor.É a prova de que as mídias são uma poderosa ferramenta para
educar os analfabetos sobre as ??práticas agroecológicas sustentáveis, uma das
alavancas fundamentais para alcançar a soberania alimentar sustentável.
Deccan Developement Society (em inglês somente)
http://www.ddsindia.com/www/default.asp
Vídeo realizado por Mayuri (em inglês somente)
http://www.ndtv.com/video/player/news/11-year-old-girl-from-poor-dalit-family-gains-international-acclaim-as-filmmaker/250335
PACTOS LOCAIS : Novas alianças entre as
comunidades, as redes da economia solidária e as autoridades locais
A redação do artigo foi coordenada por Martine
Theveniaut
As questões da oficina: como solicitações feitas por
esses novos atores sociais transversais geram mudanças significativas na
natureza da política pública e na forma de promovê-la e gerenciá-la? Quais as
relações entre as comunidades e instituições rumo a novas formas de exercício
de uma democracia real?
Unir as forças para uma outra Europa, 9-11 de novembro
de 2012
Uma análise amplamente compartilhada :
A Europa vive um momento dramático, um verdadeiro
“estado de emergência”. A democracia foi esvaziada de seu sentido. Nós estamos
vendo, indefesos, as decisões sendo tomadas a nível nacional e supranacional. O
“processo constitucional” é imposto de cima por governos e pelo Banco Central
Europeu, eles próprios submetidos aos ditames dos mercados financeiros. 10 anos
após o primeiro Fórum Social Europeu (FSE), Florença 10 +10 reuniu ativistas
diversos: estudantes, trabalhadores precários, sindicalistas, ambientalistas,
“NO-TAV” contra os trens de alta velocidade nos Alpes), mulheres, migrantes.
Suas intenções, encontrando-se e conversando, consistem em desenvolver
estratégias e convergir em torno a um roteiro. Porque temos de agir agora para
criar as condições de uma resposta social e de uma mobilização pan-europeia de
cidadãos.
Durante quatro dias, as paredes da Fortezza da Basso
estavam no centro da Europa da solidariedade: democracia, patrimônio comum,
meio ambiente, justiça social, contra as políticas de austeridade e da agenda
neoliberal. A Europa da água, bem comum de uma sociedade. Os habitantes da
Europa para a economia solidária, a soberania alimentar e a defesa das áreas
atacadas por grandes infra-estruturas inúteis! Economistas de 10 países
lançaram a Rede Europeia de economistas progressistas. A coalizão que reúne 80
sindicatos e movimentos de toda a Europa lançou o AlterSummit (em Atenas em
junho de 2013) e muitas novas redes começaram a trabalhar a nível europeu,
sobre a dívida pública e a financeirização da natureza.
Jason Nardi, membro de Solidarius Italia, microempresa
sem fins lucrativos Economia solidária1, membro do RIPESS Europe.
Exemplos e ensinamentos deduzidos
Que mobilização para uma democracia real?
Nossa experiência nos ensinou que o verdadeiro poder é
aquele que leva à ação para encontrar soluções. Com base em uma pesquisa com 50
iniciativas, o pacto local foi criada em 2001 como um processo construído ao
longo do tempo, ancorado em um espaço funcional que oferece soluções adaptadas
às especificidades de cada sociedade local, especialmente suas especificidades
culturais. Sua abordagem é abrangente e reflete um compromisso contraído. Ele
encarna valores, instala o diálogo entre grupos de atores, aprende a operar de
forma diferente e produz inteligência coletiva. Hoje, acordos locais sob este
nome ou outro, existem no mundo inteiro. Mas esta forma de pensar e de proceder
não é habitual.
Uma delegação dos “Pactos Locais” (1998) participava
do 1º FSE. Desde 2007, a noção de pacto local aos poucos se consolidou, e a
associação se abriu à dimensão europeia. Ela elaborou a “Viagem de
aprendizagem” e organizou 6 encontros para preparar o encontro europeu do
RIPESS – “Lux’09” – em abril de 2009. Fazer uma visita in loco permite aprender
uns com outros e compreender como local/global interagem. Discutir no seio de
um grupo de reflexão não acadêmico de profissionais permite consensos para
desenvolver juntos certas propostas.
Martine Theveniaut, socióloga, coordenadora da rede
Pactos Europeus membro da RIPESS Europe
Como cresce um tecido local
As atividades que brotam da observação de pequenas
necessidades: mercados de agricultores, reuniões e trocas de formação entre
“gasisti”, os membros de Grupos de Compras Solidárias, o planejamento
compartilhado, são alguns exemplos das realizações da REES, a Rede de Economia
Solidária e Ética de Marche, na Itália, no âmbito local. Para não perder o
contato com o território, as autoridades locais estão inseridas nestes
percursos que se transformam em formação para todos. O crescimento do tecido
social resulta disso, ao mesmo tempo, como motor de promoção da atividade e
como dispositivo de controle da boa execução das escolhas públicas. Passa
também aqui, a recuperação do conceito de cidadão, rebaixado em consumidor.
Através da sua participação, recupera o poder de escolher, assume o volante
para orientar-se e re-emancipar-se.
A busca do bem-estar está na base das atividades, ela
atrai e facilita a multiplicação. Ela interrompe a noção de lucro em que
predomina a escolha do “indivíduo” antes da comunidade para valorizar relações
fundadas em uma economia centrada no homem.
Existem outras redes e territórios da economia
solidária na Toscana, Lombardia, Lázio, Trentino, Emilia-Romana, Abruzzo,
Friuli. Ela se define como “a economia das redes e das relações, horizontais e
não hierárquicas entre operadores, baseadas sobre o compartilhamento dos
conhecimentos, dos mercados, das informações, dos recursos” .
Franca Bruglia, REES Marche.
Construir coalizões sociais locais
A estratégia de pactos locais é profundamente coerente
com o que Solidarius Itália tenta concretamente alcançar em suas intervenções.
Nossa missão é apoiar - com o treinamento e as ferramentas para análise e
planejamento social – a construção e o fortalecimento de cooperação e de redes
de economia solidária em algumas áreas. Com a metodologia de pesquisa-ação -
realizada com base em uma análise da realidade local, das necessidades, dos
recursos e dos problemas que surgem com as suas características - nós ajudamos
a criar coalizões sociais locais que impulsionam e apóiam a construção de redes
de solidariedade com a participação de sujeitos plurais (empresas solidárias,
grupos, associações de promoção social de voluntariado, instituições
“virtuosas” ...). Na verdade, esta é uma outra forma de definir os pactos
locais. Enquanto pactos as coalizões sociais não podem ser pré-definidas, mas
construídas de acordo com uma lógica “glocal” ouvindo os territórios, mas
juntos, longe do localismo e da fragmentação. Como pactos, necessitam expandir
suas atividades para um campo de força que compartilhe os valores e os
objetivos que estão na base da economia solidária, mas, ao mesmo tempo, evitar
a auto-referência e as tentações minoritárias.
Soana Tortora, Solidarius Itália
O projeto “Venezia per l’Altraeconomia”
Aprovado em 27 de outubro de 2006 pela Câmara de
Vereadores, o projeto prevê a construção de uma mesa redonda permanentemente,
aloca um edifício em Mestre e um orçamento para a promoção e desenvolvimento
deste conceito. Em 2010, a cooperativa Sesterzo é criada para alcançar estes
objetivos. O AERES, parceiro da Câmara de Vereadores propõe que uma série de
atividades e de iniciativas seja hospedada pela estrutura PLIP que é uma rede
de micro-organismos envolvidos no setor da Altraeconomia. O objetivo é que
Palaplip se torne um lugar de encontro para este movimento: centro de educação
para os jovens e adultos, de laboratório experimental para empresários e
profissionais, centro da cultura local de patrocínio, um ponto de agregação
para diferentes grupos em prol da solidariedade e da economia local. Dois
exemplos entre muitos outros: “Strada Facendo é uma escola de teatro para
os jovens adultos. Ela estimula a participação cívica e a promoção de um forte
sentimento de comunidade nos alunos. A primeira temporada do programa terminou
em 6 de maio de 2012 com “Poetic Mob” na praça Ferretto em Mestre, animada por
um grupo de estudantes de 8-14 anos.
As artes de rua o teatro deram aos alunos a
oportunidade de experimentar uma nova relação com a cidade e suas instituições.
A “Osteria Bio-Solidale é outra experiência sector empresarial do
Altraeconomia:
todos os aspectos do projeto foram abordados com uma
visão social e ambiental.
David Marchiori, presidente da Cooperativa Sesterzo,
representante de Urgenci junto ao RIPESS Europe4
Conclusão com várias vozes:
Jason Nardi :
Imaginemos e construamos a Europa que queremos. Unir
as forças vivas da sociedade em nossas comunidades para criar a massa crítica
necessária para deter a espiral da especulação financeira que leva ao fim da
democracia é o que precisamos urgentemente. Pactos locais entre as comunidades
de cidadãos que praticam a economia solidária de diversas maneiras com as
autoridades locais virtuosas (ou apenas “normais”) e instituições são a forma
de construir uma nova Europa por baixo de uma maneira prática e eficaz.
Martine Theveniaut :
O Pacto é uma ferramenta para a cooperação local entre
os diferentes atores em vários níveis. A democracia é a fundação do edifício
para a gestão territorial dos problemas no dia a dia, mas também para ligar-se,
de forma dinâmica e diferenciada à economia globalizada: a cooperação reflete
uma responsabilidade partilhada para agir - em conjunto ou de forma
independente - em uma abordagem global e coerente para alcançar um objetivo de
interesse geral. Este poder cidadão de iniciativa e de ação inclui opor-se a
decisões “fora de contexto” de planejamento que comprometem as possibilidades
das populações afetadas para viver de forma saudável, com segurança e em paz.
Franca Bruglia :
Um encontro cheio de idéias. Todas as modalidades
estão evoluindo. A participação na construção do bem comum transcende a noção
abstrata de democracia e é declinada nos territórios por ações concretas que
envolvem todos os interessados ??em uma verdadeira colaboração baseada na
paridade.
David Marchiori :
O mais importante é que todos esses objetivos sejam
alcançados através de novas redes de relações construídas pelo sistema da
Altraeconomia: ele é essencialmente um espaço de encontro e a convicção que é
possível obter o desenvolvimento social usando redes sociais abetas e não
competitivas.
A respeito do boletim
Este boletim é publicado em francês, em inglês, em
espanhol e em português. Ele é realizado de forma totalmente voluntária desde o
primeiro número publicado em 2003.
A equipe editorial quer agradecer as pessoas
voluntárias seguintes pelo seu engajamento na tradução e na revisão:
Michel Colin (Brasil)
Paula Garuz Naval (Irlanda)
Évéline Poirier (Canadá)
Brunilda Rafael (França)
Além disto, gostaríamos de agradecer o Policy Research
Institute for the Civil Sector (PRICS) do Seikatsu Club no Japão pela tradução
para o japonês.
Os boletins estão na internet em dois endereços.
http://developpementlocal.blogspot.com/
www.apreis.org/
Entrar em contato conosco (para informações, novas
assinaturas e cancelamento de assinaturas)
Yvon Poirier
ypoirier@videotron.ca
1 http://www.solidariusitalia.it/
2 www.pactes.eu (site em construção) Por enquanto, ver: www.pactes-locaux.org
3
http://web.resmarche.it/resmarche/articles/art_187.html : Documento programático da rede. Ver também:
http://www.comunivirtuosi.org
4
http://www.centraleplip.it