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01/11/2010


Boletim internacional de desenvolvimento local sustentável
Boletim informativo #73
1º de novembro de 2010

Sumário
Mensagem da equipe editorial

Prêmio Nobel Economia 2009 a Elinor Ostrom pelos seus trabalhos sobre a “governança dos bens comuns”

Novas regulações coletivas são possíveis


Mensagem da equipe editorial

O prêmio Nobel de economia 2009, outorgado a Elinor Ostrom, um politólogo, constitui para nós um encorajamento importante, pois ele confirma as grandes orientações que tentamos apresentar em nosso boletim. Martine nos permite explorar esses conceitos do “commons”. Yvon teve a oportunidade de constatar que o exemplo da gestão comunitária da floresta no Nepal, exemplo citado por Ostrom, é verdadeiramente um êxito para preservar a biosfera, ao tempo em que permite às populações locais de melhorar suas condições de vida.
Assim como foi mencionado em precedentes números, a sobrevivência e a promoção de uma agricultura camponesa local é uma solução inegável para ao mesmo tempo alimentar as populações e sair da pobreza a maioria dos pobres do planeta. Lembremos que 70% do bilhão de humanos vivendo em situação de extrema pobreza são rurais. Judith nos comunica os desenvolvimentos positivos no interior da Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura (FAO) sobre este assunto.


Equipe editorial
Judith Hitchman
Yvon Poirier
Martine Theveniaut

Prêmio Nobel de Economia 2009 a Elinor Ostrom pelos seus trabalhos sobre a “governança dos bens comuns”(1).

Esta problemática que ocupa todas as pesquisas de Elinor Ostrom não está no centro – é o menos que se possa dizer – das preocupações da corporação dos economistas da Escola de Chicago (a mais premiada dos Nobel de economia!). Ele pode até passar por marginal após o famoso artigo de Garett Hardin sobre “The Tragedy of Commons”(2) que se alinha com o paradigma neoclássico dominante!

Hoje, a acuidade dos problemas de gestão dos recursos naturais coloca a pesquisa desta mulher de 76 anos no cerne da atualidade. Em resumo, esta obra mostra, por exemplos de gestão dos recursos em propriedade comum, que o funcionamento da ação coletiva não acompanha as hipóteses habituais em economia (racionalidade e informação perfeita dos atores). De fato, os atores, em situação real, fazem escolhas mais apropriadas em termos de ganho coletivo que aqueles ligados às predições das teorias da escolha racional. Esta situação se explica, por um lado, pela importância do “face a face” ou conhecimento mútuo, que permite fazendo evoluir as regras, de aumentar o ganho coletivo.

Sua reflexão progride desde os anos 60, apoiada em provas, para escapar da armadilha intelectual da tragédia dos bens comuns: começando por sua tese sobre a gestão da água na Califórnia do sul (1963), as colônias de pesca na Turquia, os sistemas de irrigação na Espanha e nas Filipinas, a exploração das florestas no Nepal mais recentemente(3). Elinor Ostrom e Amy Poteete mostraram assim que a regulação da utilização de florestas por comunidades locais é fortemente ligada a


- a atitude das populações a respeito do recurso florestal;
- o tamanho da floresta, pois passar por um processo de vigilância;
- a atitude das agências governamentais, que não devem estorvar os esforços locais e oferecer instalações facilitando a resolução dos conflitos;
- a atitude do poder político face aos grupos de pressão com interesses antagonistas sobre os modos de gestão da floresta;
- a natureza e o tamanho dos grupos de interesse (de pequenos tamanhos e com interesses homogêneos ou de grandes tamanhos com interesses divergentes).

Assim, contrariamente a um julgamento intuitivo, a gestão direta pelas comunidades não garante sempre a preservação do recurso, mas este tipo de “arranjo institucional” tem uma grande probabilidade de levar a uma gestão sustentável das florestas.

“Em vez de acreditar que soluções institucionais excelentes podem ser facilmente elaboradas e impostas a baixo custo por autoridades externas, Elinor Ostrom defende que encontrar boas instituições é um processo difícil, que consome tempo e propício aos conflitos. É um processo que requer uma informação fiável em termos de variáveis de tempo e de lugar, assim como um vasto repertório de regras culturalmente aceitáveis”(4). “O que faz falta na caixa de ferramentas da análise política, e no conjunto das teorias aceitas e desenvolvidas da organização humana, é uma teoria suficientemente precisa da ação coletiva pela qual “um grupo de apropriadores”(5) pode se organizar voluntariamente para conservar o valor residual de seus próprios esforços. Os exemplos abundam (...). Mas para que uma explicação teórica das empresas auto-organizadas e autogovernadas – baseadas sobre a escolha humana – seja plenamente desenvolvida e aceita, as decisões políticas maiores continuarão a ser fundadas sobre a presunção que os indivíduos não sabem se organizar por si mesmos e que precisarão ser organizados por autoridades externas”(6).

Nova regulações coletivas são possíveis

Para reduzir o fosso entre as teorias atuais da ação coletiva e os exemplos empíricos “precisamos de uma orientação um tanto diferente dos esforços de análise”. Mais que fundar as escolhas sobre indivíduos supostos capazes de maximização em curto prazo, mas não em longo prazo, flagrados na armadilha de seu dilema, dirigindo-se aos governos como utilizadores de seus programas, quando em fato as decisões acabam sendo tomadas com uma visão idealizada do mercado ou do Estado. A mudança de olhar sobre o qual abre sua análise dá consistência às iniciativas dos indivíduos e a suas invenções sociais coletivas, como “atores produzindo esforços para encontrar eles mesmos soluções viáveis e equitativas a problemas complexos no seio de arenas fornecidas pelos tribunais, o corpo legislativo e as autoridades locais”. Agora, esta teoria saiu da marginalidade. Ela é amplamente respaldada por dados empíricos. Ela abre um caminho – legitimado – do qual os práticos podem se servir. Em longo prazo, um quadro para a documentação, a análise e as lições aprendidas é uma necessidade para descrever a mais-valia de uma “boa governança”, oferecer ferramentas, avaliar e antecipar o exercício de uma responsabilidade compartilhada, na escala dos territórios. O local deve ser reabilitado, fundado de novo, face ao global. O caminho que vamos continuar referenciando consiste em socializar os resultados do “eu ilustro, eu debato, eu proponho”, com uma confiança reforçada. É um caminho mais seguro que o “eu sei, eu explico, vocês fazem”(7).

Martine Theveniaut
http://es.wikipedia.org/wiki/Elinor_Ostrom
1 “Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action”, Cambridge University Press, 1990.
Terá sido necessário o Nobel 2009 para que esta obra maior seja traduzida em francês: “Governança dos bens comuns: para uma nova abordagem dos recursos naturais”. Revisão científica de Laurent Baechler. Editions De Boeck, Planète en JEU, tradução francesa 2010, 301 p.
2.in Science, 13 de dezembro de 1968 n° 162, pp 1243-1268.
3.Poteete A.R., Jansen M.A, Ostrom E. (Ed.) (2010), Working Toguether : Collective Action, the Commons, and Multiple Methods in Practice, Princeton U. Press
4. p 27 da tradução francesa
5. “O termo de apropriador designa qualquer indivíduo que retira ou utiliza de qualquer maneira as unidades de um recurso comum, sem respeito pela origem de sua reivindicação do direito de exercer essas atividades” (direito legalmente definido ou não), p 45 da tradução francesa.
6. p 39 da tradução francesa.
7. Expressão de France Joubert, presidente dos Pactos Locais.

Um vento de mudança (institucional)

Nosso mundo conta mais de um bilhão de pessoas que passam fome, e 10 000 crianças que morrem cada dia de doenças ligadas à fome ou à desnutrição. O que faz que a questão do tipo de desenvolvimento local que pode da melhor forma alimentar a população humana de maneira sustentável é uma das questões chaves de nossa sociedade.
A FAO é a Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura dedicada a esta questão. Até um ano atrás, o Comitê de Segurança Alimentar (CSA), uma das estruturas chaves no seio da FAO, foi exclusivamente reservado aos representantes governamentais. A reforma, que entrou em vigor em 2009 concede à sociedade civil bem como às empresas maiores, uma voz consultiva em questões de segurança alimentar. A última palavra, através dos direitos de voto, é dos governos.
A Cúpula mundial da alimentação em 1996 define a segurança alimentar como segue:
“A segurança alimentar é assegurada quando todas as pessoas, o tempo todo, têm econômica, social e fisicamente acesso a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva que satisfaz suas necessidades nutricionais e suas preferências alimentares para lhes permitir levar uma vida ativa e sadia”(1).
E esse é justamente o debate que está aberto entre a soberania alimentar e a segurança alimentar. Pois a segunda não toma necessariamente em conta questões como a revolução verde, baseada sobre as sementes OGM, ou os Acordos de Parceria Econômica (APEs) com os países ACP (África, Caribe, Pacífico) que têm um impacto nefasto sobre a agricultura camponesa agro-ecológica e biológica. A segurança alimentar força os pequenos produtores (que alimentam o essencial da população do mundo) a abandonar suas terras e a migrar para as cidades, bem como os trabalhadores agrícolas, os pastores nômades e os sem-terra rurais. Seus sistemas de agricultura comunitária, suas trocas de sementes e sistemas alimentares locais não combinam com os objetivos das empresas multinacionais e dos governos neoliberais. O sistema dos APEs permite também importações que não são nada mais do que dumping de produtos de uma agricultura subsidiada e industrial. O resultado é o mesmo que aquele da revolução verde: ele os força a abandonar suas terras e a produção de alimentos no país padece desta situação.
Por isso, a importância do conceito de soberania alimentar, mais visionário e político. “A soberania alimentar é o direito dos povos a uma alimentação sadia, no respeito das culturas, produzida com a ajuda de métodos sustentáveis. Ela defende os interesses e a integração da próxima geração. Ela representa uma estratégia de resistência e de desmantelamento do comércio local e do regime alimentar atual. Ela dá orientações para que os sistemas alimentares, agrícolas, pecuários sejam definidos pelos produtores locais. A soberania alimentar promove um comércio transparente que garante uma renda justa para todos os povos e os direitos dos consumidores de controlar seus alimentos e sua alimentação. Ela garante que os direitos para utilizar e administrar nossas terras, territórios, águas, sementes, gado e biodiversidade estejam em mãos daqueles e daquelas que produzem os alimentos. A soberania alimentar implica novas relações sociais, livres de opressão e de desigualdades entre homens e mulheres, grupos de raça diferentes, classes sociais e gerações” (2)1.
Esse é justamente o trabalho notável de um conjunto de organizações da sociedade civil, reunidas pelo CIP (3) (Comitê internacional de planejamento para a soberania alimentar), que desenvolve funções indispensáveis de lobby junto à FAO. Seu papel foi central para desenvolver o Mecanismo da Sociedade Civil para as Organizações da Sociedade Civil que desejavam ser ouvidas quando das sessões do CSA reformado (Comitê da Segurança Alimentar) da FAO(4).
Após um longo ano de trabalho sobre os detalhes, o CIP convocou uma reunião dos OSC em Roma, de 8 a 10 de outubro. Os fundos que permitiam a organização desta reunião provinham dos Estados Membros do CSA que tinham apoiado a reforma. Três dias de trabalho intenso, para preparar minuciosamente o primeiro encontro do CSA reformado que aconteceu toda a semana seguinte. Os primeiros ecos manifestam a grande surpresa dos Estados pelas posições altamente organizadas da sociedade civil, de seu bom senso, e da utilização que eles fizeram do tempo de palavra que lhes foi concedido.
Um vento de mudança está soprando no seio da FAO. Talvez não seja suficiente para provocar a mudança, nem tão rapidamente como gostaríamos, levando em conta a força das empresas multinacionais e dos Estados que apóiam uma abordagem industrializada da agricultura, e de uma segurança alimentar baseada sobre conceitos que não são nem locais nem sustentáveis. Mas se trata no entanto de um passo para frente significativo para fazer ouvir a voz daqueles e daquelas que propõem reais soluções para alimentar nosso planeta, preservar o meio ambiente e implementar um desenvolvimento local sustentável.

Judith Hitchman
1. http://www.who.int/trade/glossary/story028/en/
2. http://www.nyeleni.org/
3. http://www.foodsovereignty.org/new/index.php?language=fr
4. http://www.fao.org/cfs/accueil-de-la-csa/fr/


Nossos boletins estão disponíveis na Internet:
http://developpementlocal.blogspot.com/
www.apreis.org/

Agradecimentos :

Paula Garuz (Irlanda para o espanhol
Michel Colin (Brasil) para o português
Évéline Poirier (Canadá) para a revisão dos textos em francês e em inglês

Entrar em contato conosco (para informações, novas assinaturas ou cancelamento de assinaturas)
Yvon Poirier ypoirier@videotron.ca

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