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01/04/2007

Boletim Internacional de Desenvolvimento Local Sustentável
Boletim Informativo nº 37
1 de Abril de 2007

Sumário

Mensagem da equipe editorial

Cidade de Deus no Rio de Janeiro
O desafio do desenvolvimento local articulado com a acção comunitária

Fórum Social Mundial
Tradução e desenvolvimento sustentável

Mensagem da equipe editorial


A Associação de desenvolvimento local criada pelo Comité comunitário da Cidade de Deus, importante favela do Rio de Janeiro é uma iniciativa muito interessante, mostrando uma vez mais que o efectivo desenvolvimento de uma comunidade não se pode conseguir sem a implicação das forças vivas que integram os seus habitantes. Neste sentido, esta experiência possui muitas semelhanças com as experiências de que já falámos anteriormente, designadamente da Índia e do Canadá.

O desenvolvimento comunitário está também no centro da iniciativa dos intérpretes comunitários. A mobilidade das populações, voluntária ou não, é um fenómeno em expansão em todo o planeta. Situação que cria problemas e oportunidades para o envolvimento e a participação das populações deslocadas nos seus novos países. A iniciativa dos intérpretes comunitários, neste contexto, é muito positiva.

Renovamos o nosso convite para nos serem remetidos artigos e avisos que possamos partilhar com os nossos subscritores.

Equipe editorial
Francisco Botelho
Yvon Poirier
Martine Théveniaut

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Cidade de Deus no Rio de Janeiro
O desafio do desenvolvimento local com protagonismo comunitário


A criação de uma Agência de Desenvolvimento Local sob gestão de organizações comunitárias, em Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, é hoje um dos esforços marcantes, no contexto brasileiro, na criação de novos caminhos de desenvolvimento capazes de superar a discriminação e a exclusão social em bairros críticos de grande cidades.

Cidade de Deus é um bairro situado na zona oeste do Rio de Janeiro, originário de um processo de remoção de favelas ocorrido em 1966. Hoje com uma população em torno de 50 mil habitantes, Cidade de Deus apresenta indicadores sociais entre os mais críticos do Rio de Janeiro, embora situado na vizinhança de um dos “bairros nobres” da cidade, a Barra da Tijuca.

Em 2002, o sucesso do filme “Cidade de Deus” colocou o bairro intensamente nos veículos de comunicação, reforçando o estigma de comunidade violenta e perigosa e favorecendo uma onda de preconceito e discriminação.

Por outro lado, na sua trajetória desde a década 80, surgiram no bairro várias associações de moradores, agremiações de samba, agremiações esportivas, grupos de teatro, revistas, cine-clubes, igrejas atuantes, grupos de dança e movimento negro.

A partir de 2003, vários processos confluíram, constituindo novas condições de organização e articulação tendo em vista a transformação da realidade da Cidade de Deus. Após um processo intensivo de discussões, surgiu naquele ano o Comitê Comunitário de Cidade de Deus, que veio a reunir diferentes entidades locais tendo em vista superar o isolamento e as divisões que pautavam a atuação dessas organizações.

O Comitê Comunitário firmou-se ao longo de seus três anos de existência como espaço relevante de articulação de ações no bairro e de interlocução institucional. Já em 2004, sua atuação produziu duas importantes realizações:
a) um levantamento inicial das demandas da população local que incluiu temas como Trabalho, Emprego e Renda, Educação, Saúde, Meio Ambiente, Promoção Social, Comunicação, Cultura e Esporte;
b) a elaboração de um primeiro Plano para o Desenvolvimento de Cidade de Deus, referendado por um fórum comunitário ampliado, com diretrizes traçadas para um período de cinco anos (até 2009), como instrumento para avançar na direção da articulação de programas, projetos e ações sociais em andamento no bairro, bem como da implantação de novas iniciativas em benefício da comunidade.

A partir desses acúmulos, um dos desafios colocados foi a consolidação, em um novo patamar, do arranjo socioinstitucional que amadureceu nos últimos anos, com destaque para a formação de uma instância executiva capaz de integrar ações e projetos no território, na forma de uma pessoa jurídica (a Agência Cidade de Deus de Desenvolvimento Local), entendida como fator-chave de sustentabilidade de todo o processo.

Em 2006, a Agência constituiu-se legalmente como uma entidade sem fins lucrativos, tendo como associados e dirigentes as organizações e lideranças ligadas ao Comitê Comunitário. Este fato, por si só, representa um resultado expressivo do processo de organização e articulação levado a cabo nos três últimos anos. A concretização desta Agência efetivou-se a partir do apoio técnico e financeiro de um órgão do governo federal (Finep – Financiadora de Estudos e Projetos) e de uma organização da sociedade civil (Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), o que representa também um exemplo da capacidade de interlocução institucional da comunidade local.

Diretamente imbricado com a constituição da agência de desenvolvimento, um conjunto de realizações e resultados já podem ser destacados, notadamente a partir do ano de 2006. Entre estes, incluem-se ações integradas em diferentes áreas, como:

Capacitação dos gestores locais. Formação conceitual e gerencial dos próprios agentes envolvidos no Comitê Comunitário e na Agência de Desenvolvimento, mediante cursos com metodologias participativas.

Trabalho e economia solidária. Identificação de potencialidades para criação de cooperativas, ciclo de formação com trabalhadores e moradores e, como desdobramento próximo, a criação de um empreendimento associativo e autogestionário na área de construção civil.

Educação. Mobilização e coordenação entre as instituições locais e parceiras para debater a qualidade da educação na Cidade de Deus e construir um plano integrado para a área com participação da comunidade e abrangendo os diversos níveis de ensino.

Habitação social. Como ação de maior impacto social, destaca-se o projeto habitacional que atenderá 618 famílias atualmente sem condições mínimas de moradia, na área de Cidade de Deus denominada Rocinha II. Tal projeto está sendo conduzido com participação direta da comunidade local, a partir do Comitê Comunitário e da Agência, e sua concretização liga-se ao apoio de um órgão público federal de fomento, a Caixa Econômica Federal, e da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Comunicação. Como eixo alimentador de todo esse processo, está ainda em constituição, no âmbito da agência, um sistema de comunicação interna e externa que envolve diversos componentes integrados – programa em rádio comunitária, produção de vídeos, site e jornal comunitário.

As ações da Agência terão como lastro social mais abrangente os encontros semestrais do Fórum Comunitário de Cidade de Deus, que envolverá centenas de atores do bairro (ligados a diferentes movimentos e organizações), para reorientar as grandes linhas e prioridades do plano de desenvolvimento local na Cidade de Deus.

Trata-se, enfim, de um arranjo socioinstitucional que se propõe a operar uma gama integrada de projetos e ações, tendo Cidade de Deus como base de referência territorial e considerando sua articulação com os bairros adjacentes e com a cidade.

Em termos mais amplos, o caso de Cidade de Deus remete ao problema-chave do enfrentamento da desigualdade e da exclusão social, em comunidades populares empobrecidas, muitas vezes estigmatizadas e historicamente sujeitas, quando não ao abandono, a mecanismos políticos de fragmentação e dominação. A trajetória da Cidade de Deus é emblemática desse problema, e os caminhos que ali se abrem para seu enfrentamento, além dos benefícios para seus próprios habitantes, podem fornecer indicações para outros territórios com características comuns, especialmente em contextos metropolitanos.

Texto original em português (Brasil), da autoria de Caio Silveira


Fórum Social Mundial
Tradução e desenvolvimento sustentável


Um dos desafios chave do Fórum Social Mundial é o da herança que irá transmitir, se é que haverá uma herança. Quais os impactos imediatos ou de longo prazo, em termos de desenvolvimento sustentável? É certo que as reuniões têm lugar, permitindo que as redes mundiais cresçam e se desenvolvam, quer se trate da escala regional como os Fóruns Sociais Africano ou Europeu, quer do Fórum Social Mundial global. Mas é extremamente difícil medir o impacto concreto no terreno, no plano local, de um acontecimento como este.
Esta contribuição não pretende medir os efeitos de conjunto do FSM 2007, que teve lugar em Nairobi, no que se refere ao desenvolvimento local sustentável. Coloca em destaque um efeito paralelo.

Um aspecto chave de todo o Fórum é a tradução linguística.

Trata-se de uma dimensão incontornável da comunicação intercultural. Num mundo globalizado, trata-se frequentemente da alavanca que possibilita que as coisas ultrapassem as fronteiras e interfiram nas diferentes comunidades.

No período que antecedeu o FSM, e fruto do excelente recrutamento levado a efeito pela Comissão de Tradução do Comité Organizativo do Quénia, cerca de 450 pessoas ofereceram-se como voluntárias para participarem numa breve formação de técnicas de tradução. O que distingue este FSM dos anteriores é a enorme diversidade da origem dos seus participantes. Abrangiam um leque que ia dos intérpretes profissionais e tradutores a professores universitários ou de outros ramos de ensino, passando por religiosos. E é preciso lembrar que as igrejas desempenham frequentemente um papel histórico de intervenção social na África Oriental. Estes elementos eram prioritariamente do Quénia e da Tanzânia Um número significativo de refugiados políticos estavam também presentes, vindos do Burundi, do Ruanda e do Congo, país com um número significativo de refugiados no Quénia, hoje em dia. Durante o Fórum juntaram-se grupos de intérpretes vindos do Senegal, do Mali, bem como um pequeno grupo da Europa.

Este processo produziu efeitos muito para lá das competências específicas no que se referem ao próprio Fórum. Criou um grande interesse no plano local. O Ministério da Justiça, o Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas e diversas ONG exprimiram o seu interesse em disponibilizar fundos para a organização e a acreditação de Intérpretes Comunitários, capitalizando as capacidades manifestadas na ocasião.

A tradução Comunitária é uma ideia interessante.

Permitirá aos solicitadores de asilo, aos refugiados e às comunidades provenientes de minorias étnicas beneficiarem do apoio de um intérprete no decurso de processos legais, de questionários policiais bem como de contactos com os serviços sociais e de saúde. Ou seja, permite uma representação independente e uma audição justa. Como tal, num mundo confrontado com tantas deslocações de populações e tantas imigrações significativas, com a presença de comunidades étnicas minoritárias, esta nova profissão pode ser um factor de integração mais justo. Vários países, como a Austrália, o Reino Unido e a Irlanda do Norte em particular, bem como a República da Irlanda já introduziram os intérpretes comunitários credenciados.

A futura formação está actualmente numa fase de concepção e recrutam-se futuros participantes. Se, como esperamos, tiver o seu lançamento em Nairobi, este Fórum terá deixado uma verdadeira herança, já que terá permitido mostrar a utilidade de uma tal formação. Uma herança com forte significado, porque irá permitir uma maior audição da voz das comunidades, reforçando as possibilidades das pessoas em busca de asilo e dos refugiados do Quénia. Será uma forma, entre outras, de encorajar a integração das comunidades e de lhes assegurar um futuro melhor no seu novo país de adopção.

Redacção – Judith Hitchman
Intérprete e consultora


Os nossos boletins estão disponíveis na Internet:

http://desenvolvimentolocal.blogspot.com/
www.apreis.org/

Agradecimentos aos nossos tradutores :
A Évéline Poirier do Canadá, pela tradução inglesa, a Paul Maquet Makedonski (Peru) e Brunilda Rafael (França), pela tradução espanhola e a Michel Colin (Brasil) pela tradução portuguesa.

Contacto (para informações, novas inscrições e desistências)
Yvon Poirier ypoirier@videotron.ca
Francisco Botelho frbotelho@mail.telepac.pt

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